
São momentos como esse que me fazem pensar em você, o dono dessa pontinha colorida nessa imensidão cinza. Quinze minutos antes, quando fui lembrada que, por mais que eu dê a moto que ele tanto deseja, um pulmão novo que ela tanto diz precisar, um remédio que tirasse todos os medos dele e agisse como o outro ele gostaria – me calando, sempre – eu ainda seguiria sendo a pior das piores. Aquela que não aceita nada, aquela que bate de frente, aquela que fala, aquela que precisa de mais 60 anos de terapia, aquela que acha que nada está bom, aquela errada. Mas eu nunca seria aquela que não tem uma única memória feliz da infância por erros deles, aquela que enfrentou medos sozinha porque sabia que não teria aonde se apoiar, aquela que faz o papel dela, o papel dele, aquela que nunca foi cuidada, mas sempre cuidou. Assim que, mais uma vez, a verdade sobre como eles me vêem veio à tona, subi correndo pro meu quarto, desejando muito pra ser surda e não ter que escutar nada do que diziam de mim, degrau por degrau. Cheguei aqui, e fiquei alguns minutos olhando fixamente para a rua da minha casa, esperando o seu carro aparecer ali no meu portão, eu correr assim mesmo – de pijamas e descalça – pra você, pedir pra que acelerasse e pronto: eu estaria, nem que por uma noite, fora do meu inferno caseiro. Mas tudo o que eu senti foi o vento bater no meu rosto e, tudo o que eu ouvi, foi o som alto da casa da frente. Corro pro computador, abro meu email, na esperança de que haja algum seu, por lá. Não, eu sei, você não tem meu email. Mas você é alguém de cargo importante na justiça, talvez pudesse ter mexido seus pauzinhos para conseguir. Então, pego meu celular na esperança de ter uma ligação de algum número desconhecido, retornar e ser você. Mas não. Nenhum carro, nenhum email, nenhuma ligação, nenhum pontinho colorido na imensidão cinza, nenhuma mão pra eu segurar, nenhum abraço pra que eu possa chorar, nem se quer um resquício seu, porque eu fiz você chegar no seu limite. O limite da minha realidade. Você só começa a ter limite, na minha realidade, aonde você não se faz presente, diferentemente de toda a sua presença na minha cabeça. Então, não se resta outra escolha a não ser engolir todos os nomes que ouvi deles, todas as coisas que eles julgam ser a verdade, tentar continuar vivendo no meio de pessoas que eu não reconheço. Com você na minha cabeça, se torna até um pouco mais fácil, mas ainda assim é muito difícil porque, solidão, é ter muito o que dizer mas não ter com quem falar. Então, vou desejando, um dia, ter você pra ligar, ter seu abraço pra chorar, ter seu carro pra correr com o que quer que eu esteja vestindo, ter você pra me salvar.