Desculpa se te chamo de amor...

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

As horas.



Há alguns dias atrás, duas semanas, pra ser mais exata, dei o meu mais sincero sorriso que berrava entre os lábios: consegui. Passei a encarar as coisas racionalmente, deixei tudo que gritava aqui dentro, de lado. Você pensou mesmo que essa sua barba teria efeito comigo todas às quintas-feiras que nos víssemos, né? Ou que todas suas camisas xadrez fariam eu sorrir e pensar que, pra um homem, você até que entende do que está na moda? Ou que, ainda, eu iria da terra para o céu em dois segundos, quando você surgisse na porta, de paletó e gravata? Não, não mesmo. Ou, pelo menos, era o que eu achava. Isso, eu achava. Sabia que minha cabeça não teria condições de controlar meu coração por muito tempo. Durou bastante até, dessa vez. Duas semanas, pra quem a vida inteira foi sempre, coração, coração e coração, é bastante coisa, não?
Tentei aproveitar ao máximo essas duas semanas nas quais meu cérebro dizia, sem muita delicadeza, todos os contras que existem perante você. "Veja bem, ele é mais velho. Não dois, nem cinco anos. Mas, pelas suas contas, ele com total certeza já tinha quebrado alguns corações, enquanto, na mesma época era apresentado à você, um mundo de contos de fadas, príncipes e um grande amor. Mundo que, cá entre nós, você vive até hoje.", ou então: "Vai no espelho. Isso. Agora, pensa nele. Isso. Preciso te dizer mais alguma coisa?". Mas tudo isso, não durou muito. Meu cérebro berrou o quanto pode, tentou me alertar, me trazer de volta pra realidade. Não adiantou. O efeito "cérebro" passou tão rápido quanto veio. Hoje - e sempre - regida pelo coração, voltei ao meu normal. Voltei a lembrar de você sempre, por que qualquer página que eu viro, qualquer placa que eu leio, qualquer canal que eu assista, tem algo com seu nome, sua profissão ou algo que se assemelhe você. Continuo sem descobrir aonde você peca em ser tão deus e, ao mesmo tempo, me passando a nítida impressão de que gostaria de se tornar um reles plebeu. Algum erro há de ter. Continuo contando as horas pra ver você, mesmo sabendo que é algo que não dura nem um minuto, porém, eu levo no mínimo vinte pra me recompor. E, caso você esteja em dúvida, sua barba, suas camisas xadrez e seu paletó e gravata continuam com o mesmo efeito sobre mim.

domingo, 24 de outubro de 2010

Seu aniversário.



Veja bem: antes de mais nada, quero deixar registrado, logo nas primeiras linhas, que eu tenho total noção de quão ridículo tudo isso é. E que eu também tenho vergonha e escrevo isso vigiando a porta, com medo de que alguém entre e me veja escrevendo algo tão patético. Descobri na quinta, que ontem seria seu aniversário. E eu, boba do jeito que sou, fixei meu pensamento em você, quando ainda faltavam dez para a meia noite, de sexta pra sábado. Se tivesse seu telefone, te ligaria assim que o ponteiro marcasse que, pronto, já era seu aniversário. Ser a primeira a te dar parabéns. Porém, tudo o que eu fiz, foi ficar indagando quem terá sido a primeira pessoa a pular em você, te abraçar bem forte, e desejar que você fosse a pessoa mais feliz do mundo, não só no seu aniversário, mas pelo resto dos dias. Talvez tenha sido eu, a primeira a te dar parabéns. Por pensamento, claro, mas acho que fui eu. Peguei no sono rápido, e acordei na ainda manhã do seu aniversário. De novo, comecei a pensar se sua namorada - por que sim, você tem uma - te presenteou com um café-da-manhã na cama, com uma gravata nova ou, até quem sabe, alguma fantasia sexual. Talvez, eu tenha, de novo, sido a primeira pessoa a te presentear, também. Não com um café-da-manhã na cama, uma gravata nova ou uma fantasia sexual. Mas eu te presentearia tentando, por em palavras, o quanto você me encanta, mesmo eu sabendo apenas coisas básicas sobre a sua pessoa. Depois, no almoço, pensei que, bem, você deveria estar com sua mãe, sua irmã e suas sobrinhas, sempre tem essas comemorações familiares em aniversários. E que, talvez, você estivesse desejando, sem dizer pra ninguém, que seu pai também estivesse lá com vocês, mesmo você sabendo que ele já se foi há algum tempo. E a noite, quando olhei no relógio e vi que eram quase dez da noite, quase pude ouvir o chuveiro sendo desligado por você, sentir o cheiro do sabonete e do shampoo se misturando, e te ver na porta do armário, pegando sua roupa para encontrar seus amigos. Hora de comemorar com eles. Mas, como eu disse, eu quase pude ouvir, sentir e ver. Isso não aconteceu, por que, enquanto você provavelmente parava em frente ao seu armário, sentindo o cheiro do sabonete na sua pele, o único armário que eu via, era o meu, o único cheiro que eu sentia, era do meu perfume. Mas, mesmo assim, nos meus pensamentos, sorri, disse pra você ter juízo, te dei um beijo na testa, e deixei você ir, pra encontrar seus amigos, e sua namorada. E, mesmo sem nunca ter te tocado, desejei que você fosse feliz ontem, e sempre.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Acaba logo.



Há exatamente uma semana atrás, eu rezei. Rezei em voz alta, com a maior fé que poderia existir dentro de mim. Se alguém viu, ou escutou a cena, provavelmente pensou que eu enlouqueci de vez e que, agora, não tem mais volta. Coloquei toda intensidade possível nas minhas palavras. Não sei se algum deus, algum anjo ou alguém mesmo que te conhece ouviu, mas assim eu espero. Eu preciso que alguém chegue em mim, e me conte algo muito horrível sobre você, algum defeito que eu julgue ser muito sério, alguma coisa que tire toda essa cor de você, ou todo esse poder de me levar até o ponto mais alto em questão de segundos, e depois me deixar cair, sozinha.
Pedi pra qualquer uma dessas divindades me dar pelo menos uma pista do que eu posso fazer, pra acabar com meu próprio sentimento. Você não sabe, mas eu não consigo aceitar coisas bonitas por muito tempo, crescendo dentro de mim. Não consigo não me sentir como uma menina de 13 anos, quando sei que, se acontecer algo de errado segunda-feira, se algo não der certo da terça e se quarta eu brigar com alguém, tudo bem. Quinta-feira vou ter meu "Oi, tudo bem?", vindo de você, não vou?! E, se sexta algo me frustrar, não vai ter tanta importância assim por que, oras, quinta feira passou. Seu olhar passou. Seu sorriso sem mostrar os dentes passou. Você passou. E isso faz tudo um pouco melhor, (in)felizmente.
Já tentei me convencer que, não, não dá, imagina. Você freqüenta a academia, deve comer coisas saudáveis e, bom, olha pra mim. Pagaria para que alguém exterminasse todas as academias e comidas saudáveis do mundo. Ou que você é demais pra mim. Tem um cargo importante, é alguém importante, é alguém em uma etapa acima da que eu me encontro hoje, na vida. Mas nada disso consegue ser suficiente o bastante.
Não dá mais pra aguentar. Não vejo a hora que tudo isso acabe, que eu pegue aversão à você, que eu não possa nem ouvir alguma palavra que comece com a mesma inicial que a do seu nome, que sentirei vontade de vomitar, que sentirei vergonha de mim mesma por gastar minhas palavras com você, meus sentimentos com você, dos comentários que eu faço sobre você. De eu pensar:"nossa, como você é estúpida, menina!". Olhar pra trás, e não acreditar em quão "menininha" eu possa ter sido, em relação à tudo isso. Olhar pra trás e ver que, realmente, minha vida é algo sem emoção nenhuma, a ponto de eu sentir coisas por um completo estranho. Por eu doar tanto, pra quem não me doa nada, pra quem mal sabe meu nome.
E eu repito pra mim mesma: tá demorando demais. E eu fico aqui, sentada, esperando. Eu sei que vai acontecer. Mais cedo, ou mais tarde. Sei que vai chegar o dia que terei o que eu tanto peço: a destruição de um sonho, de uma fantasia, de um estímulo, de uma inspiração, de um desejo, de uma vontade, de você.

domingo, 17 de outubro de 2010

Eco.



Paro, e tento escutar alguma coisa. São quatro da manhã, e não há um barulho se quer, na rua, na vizinhança. Não há nem o barulho do vento, ou de algum cachorro meio distante, latindo. Isso não é de se espantar, afinal, são quatro da manhã e, a essa hora, todo mundo está dormindo. Menos eu. Gosto de madrugadas, desse silêncio que elas proporcionam por que, só assim, consigo escutar todo o barulho dentro de mim. Mas não foi o que aconteceu hoje. Nada. Vazio. Oco. Nem um ruído, nem um pensamento, nem uma fantasia, nem uma vontade. Literalmente, nada. Bate aqui no meu peito. Sentiu? Oco. Pode me beliscar o quanto quiser. Vai ser zero pra dor e um a menos pra vibração. Tento gritar, mas o grito volta. Eco. Não há quem ouça do outro lado desse abismo imenso. Antes, eu lembro que tinha fé, rezava para tudo o que eu acreditava e conversava com quem estivesse ali, pra me proteger, e me dar forças. Hoje, não passo daquele pai-nosso e ave-maria com os olhos fechados, morta de cansaço. Eu precisava de uma fé incalculável para me arrastar pra fora da cama e encarar tudo o que me esperava por trás da porta do meu quarto. Hoje, eu ainda preciso dessa fé incalculável, mas ela entrou em modo automático. Levanto da cama por que é preciso, estudo por que só assim serei alguém na vida, encaro o que tenho que encarar, por que não dá pra fugir. Por que não posso falar não. Por que não tenho pra onde correr. Pra quem correr. Não é fácil ter que cuidar de você ao mesmo tempo que outras pessoas precisam de um cuidado especial vindo também de você. Perdi a minha fé. Não entendo por que tenho que encarar tudo sozinha, por que eu preciso cuidar de todo mundo, por que eu tenho que me deixar morrer todo santo dia, por uma causa que é simplesmente, perdida. Quando você passa muito tempo sendo ignorada pela vida, começa a vê-la com outros olhos. Olhos cansados, sem brilho. Olhos que não tem vontade nenhuma de olhar pra frente, procurar na multidão, algum reconhecimento. Tem sido difícil, rude. E, no final do dia, quando eu posso voltar pro meu quarto, quieta, sem ninguém, nem vozes, barulhos, somente ecos, tenho duas certezas: explodir - por que a pele ficou pequena demais - em cinzas ou sonhos; ou implodir, desabar dentro de mim, cansada e sem forças pra continuar.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Tudo bem.



- Oi!
- Oi, tudo bem?
- Tudo bom?

(Olha, tudo bem, tudo bem mesmo, não está, não. Mas acho que nunca tá tudo bem pra qualquer pessoa no mundo, mas vou aproveitar que a pergunta veio direcionada à mim, e responder. Não está tudo bem. Tenho tantas certezas dentro de mim, sabe? Sobre mim, sobre os outros, sobre a vida. Mas às vezes, penso que é só mais uma dessas minhas idiotices minhas, talvez possa ser só mais uma parte desse mundo de mágica que eu construo aqui dentro, por que você sabe, né? Quando a nossa vida real é quase toda fragmentada de pequenas tragédias, pequenas loucuras, pequenas neuroses, que saída nós temos? Inventar um mundo aonde nada disso exista, ou possa até existir, mas não te afeta, não te provoca, não te faz querer sair correndo, sempre. Correr até cansar, até suas pernas doerem, até as mesmas dormirem. E pronto, você está longe de toda essa doença. Você tá me entendendo? De repente, essas minhas certezas desaparecem, e eu passo a ser quase igual a uma criança: que se esconde de tudo, e tem medo de escuro. É mais difícil passar por isso quando não se tem alguém pra segurar sua mão, você não acha?
Só que, de repente, me dá um estalo, e lá estão todas minhas esperanças, sonhos, desejos e certezas, de novo. E não sou mais aquela criança assustada, porém, continuo com o medo do escuro. E mesmo sem ter ninguém pra segurar minha mão, eu vou, eu continuo. Eu tenho que continuar, certo? Talvez seja essa a única saída, o único jeito de eu sair viva daqui. Às vezes acho que eu não tenho muito tempo, e vão me matar antes que eu viva minha formação acadêmica, meu primeiro paciente, meu primeiro namorado, meu casamento, meus filhos. Me matar antes que minhas certezas possam se concretizar e possa, também cuspir na minha cara, o que elas sempre gritam dentro de mim: sim, menina, sim. A felicidade é algo para você. Você esperou, e agora, aqui está).

Respiro fundo tentando não deixar transparecer minha vontade de morrer pelo seu terno e gravata, e respondo, com a voz mais meiga que talvez exista dentro de mim e um sorriso:

- Tudo bem.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Branco e Preto.



Andei pensando (pra variar) durante dias, e tive a leve sensação de que vivo numa vida em branco e preto aonde eu, no máximo, faço uma aparição aqui, outra ali, mas que, na maioria das vezes, não basta de figuração. Aquela história de figuração na vida real, sabe? Isso mesmo. E nessa vida que eu vou levando - não sei há quanto tempo, mas mesmo assim, vou levando - algumas pessoas se destacam. Algumas pessoas têm cor, e participações especiais. Não na minha vida em preto e branco, mas no cenário, em si. É aquela coisa, né? A vida está aí, não para nunca, e algumas pessoas nasceram pra se destacar, pra fazer a diferença, pra se fazer notar, pra se fazer ter cor. Outras, simplesmente estão de figurantes, pra não deixar a tela muito vazia. Você pode se sentir vazia. A tela, não, nunca. E como eu ia dizendo, algumas pessoas tem cores. Como aquele moço sendo extremamente educado com um funcionário, o que fez com que, aos meus olhos, ele ganhasse cor na hora. Ou então, aquela velhinha fofa atravessando a rua, e sorrindo até pra árvore. E até mesmo você. Ainda não consegui entender exatamente de onde sai sua cor, por que você tem cor, por que você não é figurante. Tá, pode até ser pra outras pessoas, mas pra mim, você é quase como um protagonista desses que a gente gasta dinheiro no cinema, só pra ter o gostinho de ver. Esqueço a sua voz 10 minutos após ouvi-la, e quase esqueço que você existe, depois de alguns dias. Mas sabe aquela história da raposa? "No início, você se sentará um pouco longe de mim, assim, na grama. Eu olharei pra você com o canto dos olhos, e você não dirá nada. As palavras são uma fonte de mal-entendidos. Mas a cada dia você poderá se sentar um pouco mais perto...Se você vier, por exemplo, todas as tardes, às quatro, a partir das três eu começarei a ser feliz. Com o passar da hora, a minha felicidade vai aumentar. Quando chegarem as quatro horas, começarei a me agitar e a me inquietar; descobrirei então, o preço da felicidade. Mas, se você vem a qualquer hora, eu não saberei nunca a que horas devo preparar o meu coração...São necessários rituais."
Sim. São necessários rituais. Meu ritual em relação à você, não passa de um simples sorriso e uma pergunta que eu faço todas as manhãs pro porteiro da minha faculdade: "Oi, tudo bem?". Mas conto os dias da semana, e, quando o dia realmente chega, arquiteto planos e histórias na minha cabeça de fantasias, querendo, bem no fundo, que você tenha também, um ritual quando se trata de mim. Que você não necessariamente conte os dias da semana, ou as horas, afinal, imagino que isso seja coisa de mulher, mas que você saiba que, ao sair dali, a pessoa sentada vai ser eu, que vai te olhar, sorrir e fazer aquela pergunta cretina, que você sinta aquela adrenalina no pico mais alto, e logo depois, ela descendo, descendo, e você se sentindo no branco e preto, mais uma vez. Mas você não deve se sentir no branco e preto, né? Mesmo que você se sinta, ou mesmo que você seja, pra mim, você tem as cores mais radiantes do mundo. E eu não sei por quê.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A demora.



Não sei, ela me parece ansiosa. Essa menina, eu digo. Quase me passa tranqüilidade, quando encosta sua cabeça na janela, e as gotas da chuva ficam fazendo um fundo bonito, eu diria. Logo, ela pega o celular, mexe em alguma coisa, desliga, volta a encarar a chuva lá fora. As pernas balançam de um lado pro outro, e talvez eu possa afirmar que vi ela dizendo pra si mesma "tá demorando demais". Me pergunto: o que será que está demorando demais? A chuva passar? Uma ligação? Um email? Não sei o que é. Só sei que parece estar demorando. Vejo ela mudar de posição e, sua cabeça, que antes estava encostada no vidro, agora está reta, encarando algum anúncio colado em uma das paredes, enquanto suas pernas, que antes estavam cruzadas, estão uma do lado da outra, com os cotovelos ali repousando. Posição feia, penso eu. Se ela soubesse que está sendo observada, talvez não se sentaria assim, mas algo está demorando.
Uma moça chega perto dela, e vejo um sorriso sendo esboçado naquele rosto que tanto espera por algo que demora. Logo, volto a pensar: era a amiga que demorava, então? Mas minha dúvida logo é respondida, quando vejo outra moça chegar e iniciar um papo com elas, porém, a que tanto espera, parece observar tudo de fora. Por um segundo, tenho a leve impressão que ela odeia tudo aquilo. Os sorrisos falsos, o papo sobre faculdade, estágio, trabalhos, roupas, marcas, novelas. Isso não tem nada a ver com ela. Mas, pelo menos, ela teve com o que se distrair. Vejo o olhar dela desviar pra algum ponto qualquer e, de novo, penso ter ouvido um "será que demora?" falando em voz baixa, novamente, só pra ela mesma ouvir. A porta se abre, e de lá sai um cara. Percebo a mudança na postura e o brilho que surge nos olhos dela. Então era ele quem tanto demorava? Não era "algo", e sim, "alguém"?
O moço a cumprimenta e sorri, mas logo vai embora. Tenho o dez-prazer de ver aquele sorriso tão bonito - e que eu vi tão pouco - ir sumindo assim, de pouquinho em pouquinho, até não sobrar nada. Então, não, não era ele quem ela esperava. Agora eu entendo como é, e o que tanto demora. Eu já deveria saber. Ela já sabe. Eles nunca são a resposta. E nunca serão. Nem eles, nem elas. Ninguém é a resposta. Nem as amigas, nem o celular, nem o sorriso, nem a chuva. Agora eu sei como ela se sente. Todas as noites, ela deita a cabeça no mesmo travesseiro, se cobre com o mesmo edredon, e repassa seu dia mentalmente. Nenhum rosto. Ninguém que ela queria ver desesperadamente no dia seguinte. Nada. Vazio. Oco. Ela já não espera mais nada.
Vejo ela se levantar, colocar a bolsa em cima de um dos ombros, e ir embora. É a única coisa que ela sempre espera. Ir embora. De todos os lugares, de todas as chuvas, de todos os sorrisos que a cumprimentam, de toda a futilidade. Ela não esperava nada a não ser, sair de onde ela está.

sábado, 2 de outubro de 2010

Boa moça.



"Vizinhos de porta, ele do 41 e ela do 42.
Primeiro lance: Ela. Bate na porta dele, e pediu açúcar emprestado para fazer um pudim.
Segundo lance: Ela de novo. Bateu na porta dele e perguntou se ele não queria provar o pudim. Afinal, era o co-autor.
Terceiro Lance: Ele. Hesitou, depois perguntou se ela não queria entrar. Ela entrou, equilibrando o prato do pudim longe do peito, para não derramar a calda.

- Não repara a bagunça...
- O meu é pior.
- Você mora sozinha?

Sabia que ela morava sozinha. Perguntara ao porteiro logo depois que a mesma se mudou. "A do 42? Mora sozinha. Morava com a mãe, mas a mãe morreu. Boa moça. Um pouco..." E o porteiro fizera um gesto com a mão, indefinido, sem dizer o que a moça era. Fosse o que fosse, era só um pouco.
A conversa começou com apresentações e trocas de informações; "Danilo","Lisa", "Capricórnio", "Leão", "Daqui mesmo", "Eu também". E continuou enquanto comiam todo o pudim, que estava ótimo. Mas quando ela disse:"Como a gente se deu bem, né?", cobrindo a mão dele com a dela, ele decidiu dar um lance preventivo e declarou que não queria envolvimentos em sua vida.

- Como, envolvimentos?
- Envolvimentos.

Antes de sair, com a cara amarrada, ela disse:

- Me empresta uma gilete?
- Gilete? Eu não uso giletes.
- Não faz mal, eu tenho uma em casa.

E saiu, pisando firme, sem olhar pra trás.
Uma hora depois, bateu na porta.

- Vim buscar o prato do pudim.

Ele viu que ela tinha cortado os pulsos. O sangue pingava latejante no corredor.

- O que é isso?!

E todo o tempo, enquanto ele estancava a sangueira da melhor maneira possível, e a colocava em seu carro, levando-a em disparada ao hospital, ela repetia:

- Ué, não era você que não queria envolvimentos? Não era você?"